Precisamos falar sobre o puerpério. Precisamos gritar ao mundo que ele existe e que não é nada fácil passar por ele. Precisamos falar sobre o luto materno após o nascimento da criança. Que ao “nascer” uma mãe, uma família, um filho, morre uma mulher. Aquela que fomos e nunca mais voltaremos a ser. Dói, machuca, nos faz sofrer. Agoniza. Faz com que não entendamos nada. Bagunça tudo. E resignifica logo depois.
O turbilhão de hormônios dentro de nós, o tão sonhado encontro com o nosso filho. E nada faz sentido. Olhamos ao redor e o mundo continua seguindo as suas vidas. E as nossas resumidas a noites em claro. Às angústias, medos, choros. Bem-vinda ao baby blues.
É se perceber perdida na multidão. Sem chão. Ficamos arrumando desculpas, pois todos nos cobram plenitude. Afinal, estamos passando pelo melhor momento das nossas vidas, certo? Uma felicidade imensa no parto, euforia, realização e logo depois tudo desaba numa melancolia sem fim. Altos e baixos.
O primeiro mês não passa, se arrasta. E a gente ali, naquela solidão – o que parece um paradoxo, já que deveríamos nos sentir mais acompanhadas do que nunca – nas noites que viram dias, nos choros sem solução, mergulhadas no desconhecido.
Um looping eterno de amamentar, colocar para arrotar, trocar fralda, fazer dormir, despertar, e começar tudo de novo. A culpa de se sentir fragilizada. A culpa por não estar explodindo de felicidade. Ah, a culpa materna. Ninguém me contou que eu a tinha parido junto com o bebê!
Precisamos dizer que precisamos de colo. De sono, de afago, de uma xícara de café, fazer xixi, tomar um banho e lavar a cabeça demoradamente. Que não, não precisamos nos arrumar porque “seu marido vai chegar e não pode te ver assim”. Assim como? Acabada? Com olheiras? Com os peitos desnudos pingando leite que vaza no sutiã? Com o sangue que ainda escorre entre as nossas pernas, a barriga com o útero ainda dilatado e cheio de contrações presa em uma cinta? Desculpe. Mas precisamos de realidade. Precisamos, sim, de compaixão. Precisamos de ajuda. Precisamos de participação. De divisão.
Filho é tarefa para uma aldeia. Não é para uma só pessoa. Por isso a importância da rede de apoio. De ter gente que te ajude, oriente, ou simplesmente diga que você está no caminho certo.
Cheguei a ter raiva do mundo. Das pessoas que dormiam. Das que saíam, das que bebiam. Que sentavam para ver um filme. Afinal, o que eu tinha feito com a minha vida?
Eu chorava. Chorava compulsivamente sozinha na noite. Desabafava com poucas pessoas. Até as mais próximas vinham com julgamentos. Com mensagens motivacionais.
Torcia para o dia nascer. Eu tinha pânico da escuridão. Ficava apavorada nas madrugadas sozinha com o bebê. Quando ele dormia, eu cuidava para que ele não sufocasse. Velava seu sono.
Nunca pensei em ser tão resiliente. Em sobreviver tanto tempo com a privação do sono, para mim o maior dos males da maternidade. À exaustão, aos nossos limites físicos e emocionais sendo testados.
E, enfim, um sorriso. Parece que quando estamos no fundo do poço de entrega, doação, confusão de sentimentos, essas criaturinhas percebem e nos retribuem com um sorriso. É a luz no fim do túnel. A certeza de que tudo vai dar certo. Que podemos não ser perfeitas, não saber o que fazer, mas de certo modo, o que fazemos por instinto é o correto.
O tempo passa. Passa voando. A gente esquece. Sente saudade. Arrisco dizer que sinto até falta daquela simbiose, de quando éramos nós dois o dia inteiro, tão dependentes.
Aos poucos vamos nos conhecendo. Vamos nos amando loucamente. E me questiono como vivi tanto tempo sem aquele menino das perninhas cheinhas, do olhar amendoado, das mãozinhas que acalentam meu rosto. Do abraço que afaga minha alma. Como vivi tanto tempo sem conhecer o maior amor do mundo?
E agradeço. Por ele estar aqui. Por ter me transformado nessa nova mulher. Que é bem mais legal do que a anterior e não saberia mais viver sem a presença dele e com toda cor, com toda alegria que ele traz para a minha existência.